56 dias Lara Carvalho, BA, 20min
Still: Milena Abreu
O que acontece nos primeiros 56 dias de gestação? Acompanhar os dias de Eva, desde a descoberta da gravidez até o aborto espontâneo, explana um grande processo de culpa que vem acompanhado da maternidade. Culpa pelo "descuido", culpa por não querer verdadeiramente aquela criança, culpa por ter sofrido um aborto espontâneo e culpa pelo que está sentindo diante de tudo isso.
Num cenário nacional e político em que o corpo de pessoas que gestam é jogado sobre a mesa e desumanizado, trabalhos como este pontuam o direito sobre o seu próprio corpo. Não estar alheio a si.
Eva, perdida nos seus pensamentos e confusa sobre como seria sua vida a partir daquele teste positivo, busca alternativas mas continua sem uma resposta. Esse sentimento da personagem revela ao público que um aborto planejado não é decidido da noite para o dia, é um processo desgastante, demorado.
O trabalho ainda abre margem para a discussão da dororidade, conceito criado por Vilma Piedade que diz respeito à sororidade entre mulheres pretas a partir das suas dores e ausências. Invisíveis para o afeto, para o estado e para o patriarcado branco. O termo permeia e pode ser percebido ao longo de toda a obra de Lara Carvalho, desde a troca entre amigas no início do filme até o final em que uma é e se faz abrigo para a outra.
Outro momento que grita essa sororidade é quando a protagonista participa da performance criada pela sua amiga em conjunto com outras mulheres negras. Mesmo sem que uma palavra seja dita, apenas através dos seus corpos elas se mostram quase como num corpo só, todas são base uma para a outra. Um coletivo de afeto.
Mais um tópico abordado pela obra é o aborto paterno. Enquanto ao pai é possível simplesmente fugir da responsabilidade, e receber respaldo da sociedade, à mãe fica reservado os julgamentos e a culpa. Ao falar que, mesmo pedindo apoio, Eva não teve assistência nenhuma do pai, ela vê em sua amiga uma rede de apoio e mão para segurar e enfrentar seu luto.
No que diz respeito à técnica da obra, observa-se neste trabalho de Lara Carvalho a passagem do tempo contada a partir da passagem dos dias, dos sonhos e das ondas. A relação da personagem com o mar revela uma relação entre pertencer e ser intruso. Nadar e afogar.
Na cena da performance, porém, sinto que o movimento de câmera utilizado deixa um pouco a desejar no sentido de estabilidade e enquadramento dos corpos em cena. Talvez apenas o traveling não tenha sido suficiente para captar a complexidade daquela cena.
De modo geral, 56 dias é uma obra que transmite a mensagem do seu tempo e é um afago para pessoas que gestam e estão confusas sobre os sentimentos em relação à descoberta.
Texto produzido como produto final da oficina de crítica cinematográfica ministrada por Cecília Barroso durante a programação da 3ª Macambira - Mostra de Cinema de Mulheridades e Dissidentes de Gênero. Autoria de Carolina Tavares e Revisão Rosy Nascimento.
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