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DEIXA



Mariana Jaspe, RJ, 15min

Still: Juliana Almeida


Muito se discute sobre os impactos negativos da organização racial em termos socioeconômicos para pessoas negras no Brasil. No entanto, poucas produções audiovisuais questionam como essas desigualdades e opressões históricas também moldaram a construção subjetiva das pessoas em relação à dimensão afetiva de suas vidas. 

Quantas vezes falamos sobre afetividade negra? E sobre sexualidade? Mais ainda, sobre a sexualidade negra na velhice? Para nós, pessoas negras, que tantas vezes não alcançamos a velhice, chegar a essa fase da vida é uma vitória. E chegar amando e se permitindo ser amado é ainda mais significativo.

O curta “Deixa”, dirigido e roteirizado por Mariana Jaspe, ao longo de 15 minutos explora uma história de amor que, devido às convenções e expectativas sociais, precisa chegar ao fim. Com um elenco de renome, a protagonista, Carmen, é interpretada por Zezé Motta, que encarna uma personagem ao mesmo tempo forte e sensível. Os silêncios no filme intensificam o drama, revelando o turbilhão de emoções que fervilham na mente e no coração da personagem.

No filme, Carmen recebe uma ligação do marido, que, após 12 anos preso, informa que será solto no dia seguinte. O que poderia ser um reencontro esperado torna-se um motivo de desconforto para ela. Sua expressão, somada às exigências do marido sobre a limpeza da casa, as comidas que deseja e a roupa que quer usar em seu primeiro dia de liberdade, revela que o retorno dele significa o fim de uma vida que a protagonista estava feliz por estar vivendo.

O desconforto cresce ao longo do dia. Enquanto Carmen prepara o jantar, seu namorado, um homem mais jovem, chega e, apesar da tensão, tenta apaziguá-la com carinho e afeto. A comparação entre os dois homens na vida de Carmen é clara: enquanto o marido

exige tarefas dela, o novo namorado oferece ajuda, sem impor que essas tarefas sejam obrigatórias para a mulher.

Em um momento do filme, após várias tentativas de carinho, Carmen se permite ser amada, revelando uma cena em que o corpo de uma mulher negra e mais velha é desejado e valorizado — algo raramente mostrado nas telas, onde esses corpos são frequentemente ridicularizados ou invisibilizados. A relação dela com o namorado é marcada por amor e compreensão, contrastando com a obrigação e o medo em relação ao marido. Essa noite simboliza uma despedida da nova vida que havia construído, que precisou, de forma simbólica, ser jogada no lixo.

Ao pesquisar e trabalhar com a afetividade e sexualidade de mulheres negras na “terceira idade” nos últimos sete anos, observei temas recorrentes em suas falas. Após o divórcio ou a viuvez, muitas dessas mulheres percebem que finalmente podem cuidar de si mesmas, experimentando uma liberdade inédita. Com os filhos crescidos e sem um marido exigindo afazeres domésticos, elas redescobrem a autonomia, valorizam mais o carinho, o prazer sexual, e exploram novas relações. 

O filme retrata esse processo de erotização da velhice, mostrando que a liberdade dessa fase permite às mulheres expressarem seu interesse sexual sem o peso do julgamento social. Ao abordar a sexualidade na velhice, a obra desafia estereótipos, promovendo uma visão positiva e complexa do envelhecimento, mostrando que a sexualidade persiste ao longo do tempo. No entanto, na vivência de Carmen, o julgamento social ou o medo do ex-marido podem ter influenciado sua decisão de abrir mão dessa liberdade, embora os motivos não sejam totalmente claros.

O filme explora temas como liberdade e medo, revelando as pressões sociais que Carmen enfrenta. Tudo o que ela construiu ao lado de outra pessoa agora precisa ser escondido ou descartado, em razão do retorno do marido, mesmo após 12 anos de ausência. Em uma conversa telefônica com sua filha, fica evidente que ela discorda da decisão da mãe, sugerindo um apoio à felicidade de Carmen, que estava prestes a sacrificar a sua vida atual pelo retorno do marido.

Ao final do filme, ficamos com uma sensação de curiosidade e desejo de saber mais sobre a protagonista. Além disso, a última cena deixa uma dúvida no ar: será que Carmen realmente aceitará o retorno do marido? Sua expressão sugere que ela ainda pode escolher a si própria, deixando em aberto a conclusão da história e alimentando a imaginação do espectador.



Texto produzido como produto final da oficina de crítica cinematográfica ministrada por Cecília Barroso durante a programação da 3ª Macambira - Mostra de Cinema de Mulheridades e Dissidentes de Gênero. Autoria de Amanda Raquel e Revisão Rosy Nascimento.


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